Conversas de iogue: o que tem por trás dessa filosofia?

Um dia você decidiu experimentar. Depois de aquele amigo zen tanto insistir, o analista recomendar e você sempre responder que não tem paciência pra essas coisas muito paradas, um dia você passou por acaso na frente de um estúdio e decidiu se matricular em uma aula de Ioga. Só pra ver como é…

Pode ser que, de cara, você tenha conseguido se desligar das suas inquietações e vivido uma experiência interessante. Talvez tenha se sentido mais relaxado e quem sabe até tenha passado o resto do dia mais disposto, com bom humor. Ou pode ser que você tenha se sentido incomodado, impaciente e desconfiado, mas escolheu continuar, afinal não é de uma hora pra outra que as coisas fazem efeito.

Curioso ou desconfiado, você começa a conviver com pessoas que têm umas conversas estranhas. Gratidão pra cá, desapego pra lá, não violência, amor, viver o presente, silenciar a mente, energia vital, essência do ser, transformação, entrega para o universo e confia… “Essas pessoas não se dão conta de que estão sendo ingênuas, alienadas ou acomodadas?”, você se pergunta.

“Não posso silenciar minha mente se tenho uma questão importante para solucionar.” “Preciso reagir à altura quando erram comigo para deixar bem claro quem eu sou.” “Desapego, tipo indiferença?” “Como não me preocupar com o futuro que não está garantido ou com o passado que me marcou?” “Tantos problemas no mundo e vocês aí falando em gratidão e contentamento?”

“Esse papo de autoconhecimento parece autoajuda, assunto para pessoas inseguras.” “O mundo hoje em dia é muito competitivo, é preciso ser forte, não há espaço para humildade.” “Não preciso transformar nada.” Então você decide ignorar a parte filosófica, mas segue nas aulas porque, de alguma forma, aquilo está sendo útil. Sempre tem algo que se pode aproveitar…

Seu contato com ioga pode ter começado com diferentes graus de desconfiança ou curiosidade, mas é improvável que você tenha passado indiferente a esse jeito de viver e de se posicionar. Por isso, para quem ficou interessado em entender os fundamentos dessa filosofia, eu recomendo conhecer os “Ioga Sutras” de Patanjali.

A EXPERIÊNCIA DA MENTE

Considerado um texto clássico sobre a prática e a filosofa da ioga, o “Ioga Sutra” foi escrito por Patanjali, um sábio que viveu na Índia em algum período entre 200 a.C e 400 d.C. Ele não foi o criador dessas ideias, mas compilou o conhecimento que existia na época de forma dispersa para que pudesse ser transmitido de forma sistematizada.

Como o ensino se baseava na tradição oral, o texto de Patanjali foi escrito na forma de sutras, ou aforismos, que condensaram várias camadas de informações de forma enxuta para que pudessem ser facilmente decorados e transmitidos oralmente de mestre a discípulo. Daí surgiu a tradição de recitar os sutras e de estudar os comentadores que ajudam a interpretar os sentidos por trás do texto conciso.

E o que dizem esses aforismos? Tratam sobre o caminho da ioga de busca da compreensão da realidade –sobre nós e o universo– por meio do estudo da mente humana: como ela se relaciona com nossas escolhas, ações, sentimentos, padrões de comportamento e como podemos usá-la a nosso favor. Isso só pra começar…

Então, ao compreendermos melhor as possibilidades da mente, começam a fazer sentido aquelas frases que costumamos ouvir nas aulas de ioga. Uma nova janela de possibilidades se abre, como afirma Swami Vivekananda no livro “Raja-Yoga: o caminho da meditação”:

“[A Raja Yoga] declara que cada pessoa é apenas um canal para um infinito oceano de conhecimento e de energia existente por trás da humanidade. Ensina que os desejos e as necessidades estão no homem, que o poder de satisfazê-los também está no homem; e que não importa quando nem onde um desejo, uma necessidade ou uma prece tenha sido atendida, foi daquele infinito manancial que a provisão se originou, e não de algum ser sobrenatural.”

Mas tem um detalhe importante. A investigação da mente proposta nos sutras não se restringe ao estudo intelectual. Como explica Vivekananda, é preciso ir além do instinto (inconsciente) e da razão (consciente) para se compreender o estado transcendente ou supraconsciente da mente humana.

E isso só é possível por meio da experiência, base de todo o conhecimento, segundo o autor. “A experiência é o único mestre que temos. Podemos falar e refletir por toda a vida, mas não compreenderemos uma única palavra da verdade até que nós mesmos a tenhamos vivenciado.”