Como nos comunicamos afeta a qualidade das nossas conexões

Você já teve a sensação de que, por mais que você se esforce, as pessoas com quem você convive não conseguem lhe entender? Mesmo que você repita várias vezes, elas parecem não lhe ouvir? Ou que a sua mensagem chega distorcida do outro lado? E quando você se dá conta, em vez de realmente discutirem o assunto que interessa, vocês estão trocando acusações ou reagindo de forma defensiva?

Esses embaraços acontecem com frequência em relações de todos os tipos, pessoais ou profissionais, e atrapalham o surgimento de uma conexão verdadeira entre as pessoas. Como consequência, muitas vezes nos vemos em relações superficiais, onde não nos expressamos honestamente e nos sentimos isolados e frustrados, mesmo cercados de pessoas que parecem se preocupar conosco.

Percebendo isso, o psicólogo americano Marshall Rosenberg (1954-2015) desenvolveu, na década de 1960, um método para ajudar as pessoas a se comunicarem de forma mais consciente e, assim, estabelecerem conexões mais profundas em seus relacionamentos. É o que ele chamou de Comunicação Não Violenta (CNV) –que, apesar do nome, não é útil só para os “briguentos”.

Como a não violência é um princípio fundamental da ioga (“ahimsa”), a CNV virou assunto recorrente entre praticantes e uma ferramenta útil no caminho de busca por harmonia, colaboração, paz  e bem-estar.

O MÉTODO

De forma sucinta, a Comunicação Não Violenta propõe um conjunto de técnicas que nos ajuda a expressar de modo claro o que observamos em determinada situação, como nos sentimos em relação a esses fatos, quais necessidades temos que não estão sendo atendidas e o que gostaríamos que fosse feito para que elas fossem supridas.

Esses passos são detalhados no livro “Comunicação Não-Violenta”, onde Rosenberg explica que as dificuldades de comunicação surgem porque “a maioria de nós cresceu usando uma linguagem que, em vez de nos encorajar a perceber o que estamos sentindo e do que precisamos, nos estimula a rotular, comparar, exigir e proferir julgamentos”. Portanto, o método nos incentiva a desenvolver mais consciência sobre nossos sentimentos e necessidades em vez de julgar e culpar os outros. Isso não significa aceitar de forma passiva as situações que nos incomodam, mas ao contrário, entender a origem dos conflitos para encontrarmos soluções mais eficazes do que a mera troca de acusações.

O primeiro passo para estabelecermos diálogos saudáveis seria a observação dos fatos de forma objetiva, sem contaminá-los com nossos julgamentos ou rótulos, como o que é bom ou mau, certo ou errado –já que essas não são verdades absolutas e sim interpretações pessoais. Ou seja, para começar a conversa, em vez de criticar, podemos relatar os fatos. “Quando os outros ouvem críticas, tendem a investir sua energia na autodefesa ou no contra-ataque. Quanto mais diretamente pudermos conectar nossos sentimentos a nossas necessidades, mais fácil será para os outros reagir compassivamente”, afirma o  autor.

Outro ensinamento da CNV é a necessidade de compreendermos nossos sentimentos e assumirmos a responsabilidade por eles. Rosenberg observa que temos a tendência de culpar os outros pelo que sentimos, e que o comportamento alheio pode até ser um estímulo, mas não a causa dos nossos sentimentos. A causa real seriam nossas próprias necessidades, desejos, expectativas, valores ou pensamentos –que podem ou não estar sendo atendidos.

Daí surge a importância de sabermos identificar quais são nossas necessidades e expectativas, além de sabermos ouvir e identificar as necessidades das pessoas com quem nos comunicamos, que estão nas entrelinhas de seus comportamentos e reações. Em vez de julgá-los, podemos nos perguntar: quais são as necessidades que esta pessoa está tentando atender quando tem esta atitude, e quais necessidades minhas eu não consigo atender quando ela age dessa forma? Para o autor, por trás de toda reação violenta existe uma necessidade não atendida e lembrar disso estimula a cooperação.

Em geral, sabemos pouco sobre nossos sentimentos e necessidades. Costumamos reduzir as sensações positivas em “alegria” e as negativas em “tristeza” e esquecemos que entre eles existe uma grande variedade de nuances. Para nos ajudar nessa compreensão, o Instituto CNV Brasil disponibiliza listas de sentimentos e necessidades humanas universais.

Tendo clareza sobre as nossas necessidades, chegamos ao momento de formular, em linguagem clara, pedidos específicos para resolver o impasse. E esse é um ponto crucial no processo da CNV. Às vezes, deixamos de fazer pedidos acreditando que a outra pessoa já deveria saber do que precisamos ou porque tememos a reação do outro –e esta é uma causa frequente de frustrações. Mas é justamente este passo que garante que a relação será pacífica e não passiva. Se não nos expressamos, não podemos esperar que o outro adivinhe o que queremos.

Por outro lado, também é um problema quando o pedido vem em forma de exigência. “Quando outra pessoa ouve de nós uma exigência, ela vê duas opções: submeter-se ou rebelar-se.” Se acreditamos que as relações saudáveis se sustentam em liberdade e autonomia, os pedidos são mais interessantes que as exigências. Quando atendidos, são uma demonstração de colaboração voluntária. Mas, como é um pedido, devemos lembrar que sempre podemos ouvir um “não”.

EMPATIA

Um dos obstáculos que atrapalham que uma comunicação mais verdadeira se estabeleça é a resistência que temos em nos abrir, revelar nossos sentimentos e necessidades e fazer um pedido, porque isso nos mostra vulneráveis. Na nossa cultura, aprendemos que precisamos demonstrar ser fortes e seguros e que vulnerabilidade seria um sinal de fraqueza. Mas pensar que existem pessoas sem vulnerabilidades é um engano. O que existem são pessoas com medo de se expressar.

A experiência daqueles que têm procurado se expressar de forma mais autêntica mostra que, quando conseguimos transcender o medo da vulnerabilidade, o resultado é que estimulamos a empatia do nosso interlocutor e aumentam as chances de que ele queira nos compreender e tenha disposição para chegarmos a um acordo.

Existe muito material disponível para quem quiser se aprofundar no assunto. Além do livro de Marshall Rosenberg, que é didático e cheio de exemplos que nos mostram como praticar CNV no dia a dia, recomendo os vídeos da Carolina Nalon, especialista em CNV, e este texto do escritor Frederico Mattos. Em várias cidades também há eventos, cursos e palestras sobre o tema. Além disso, até a próxima sexta-feira (22), está no ar no Instagram a campanha #jornadacnv, criada pelo projeto @Instamission para divulgar o método.

Praticar Comunicação Não Violenta nem sempre é fácil, mas quando começamos a ter mais consciência sobre nossos sentimentos e necessidades e aprendemos a expressá-los, bem como conseguimos ouvir e enxergar as necessidades dos outros, chegamos mais perto de um ponto de equilíbrio que atenda o máximo possível a todos os lados. Teremos então maiores chances de criar e sustentar relações nutritivas e gratificantes.