Por que queremos mudar ou todo dia pode ser segunda-feira
Desde que eu pedi demissão do meu emprego como editora de política de um dos principais telejornais do país, dois anos atrás, não paro de receber comentários e olhares curiosos, com uma mistura de surpresa, admiração e confissão de desejos secretos de amigos, alunos e leitores que também querem fazer alguma mudança de vida.
Cada pessoa é o melhor oráculo de si mesma para saber o que fazer com base em sua história, suas aptidões, seus desejos, sua intuição. Mas como os pedidos continuam, aproveito o clima de resoluções de Ano Novo para compartilhar algumas impressões pessoais, baseadas na minha experiência e nos meus estudos de ioga. Só não se esqueçam de que não existe caminho único que sirva para todos.
Muitas vezes, a vontade de mudança surge quando sentimos que falta algo para nos considerarmos completamente satisfeitos. Mas, se essa for nossa única motivação, podemos estar nos iludindo. Enquanto estivermos buscando o sentido da vida ou preenchimento de um vazio em fontes externas, como no trabalho, nos relacionamentos ou em atividades que nos dão prazer, estaremos suscetíveis a frustrações. Mesmo que consigamos conquistar tudo que achamos essencial para nos fazer felizes, em algum momento essa “condição ideal” deixará de existir, já que nada é permanente, nem mesmo nossa opinião sobre o que seria uma “condição ideal”. E o resultado é que corremos o risco de passar o resto da vida em buscas intermináveis.
Os textos clássicos de ioga dizem que a capacidade de nos sentirmos plenamente satisfeitos não depende de fatores externos e já existe em cada um de nós. O problema é que, muitas vezes, não conseguimos sentir isso nem acreditar que é possível, pois vivemos em meio a tantas preocupações e distrações (chamadas em ioga de “vrittis”, ou ondas mentais) que deixamos de olhar pra nós mesmos, de nos entender e de conhecer nossas possibilidades. Então, para muitas pessoas, mudanças no estilo de vida são úteis, sim. Não porque elas em si nos farão felizes, mas porque podem nos dar a oportunidade de nos conectarmos com nós mesmos, para que possamos realmente viver a experiência de nos sentirmos completos com o que já temos e do jeito que já somos. Como diz a canção do Gilberto Gil, precisamos “aprender a só ser”.
Quais mudanças ajudariam a reduzir os obstáculos que nos impedem de nos conectarmos com nós mesmos? Depende da pessoa, mas são as que nos permitem acalmar as tais ondas mentais. Para uns, pode ser importante dedicar mais cuidado à saúde, tranquilizar a mente e compreender suas emoções –porque um corpo frágil, uma mente inquieta e um coração angustiado nos impedem de nos concentrarmos na nossa essência. Para outros, o contato com a natureza ajuda a perceber outros níveis de valores, além dos materiais. Ou ainda a convivência com pessoas e ambientes que inspirem mais sentimentos de gratidão, desprendimento, colaboração e compaixão, e menos de individualismo, apego, competição e violência.
Nem sempre essas mudanças dependem de uma reviravolta na nossa vida. Nem todo mundo precisa pedir demissão, terminar relacionamentos, vender seus bens, dar uma volta ao mundo ou ir morar na Chapada Diamantina. Cada caso é um caso e a jornada do autoconhecimento vem acompanhada da observação das suas necessidades individuais, da responsabilidade pelas suas escolhas, assim como de respeito ao tempo do seu próprio processo. Dito isso, cuidado para não cair na sua armadilha.
É fácil nos ancorarmos em fatores que não controlamos, como falta de tempo ou de dinheiro, como justificativa para não tomarmos atitudes que desejamos. Mas a mudança pode acontecer em etapas, e talvez algumas delas já estejam ao seu alcance. Adiar a decisão para o momento em que todas as condições estiverem favoráveis pode ser só uma forma de nos consolarmos pela nossa falta de ação. Então, aos que me contam que querem uma mudança, eu digo para não esperarem passar o Carnaval ou chegar o próximo Ano Novo. Cada momento já pode ser o ideal para mais um passo da sua transição. Todo dia pode ser uma segunda-feira.