A prática pessoal de ioga na tradição de Krishnamacharya

Quem decidir investigar as origens da ioga chegará à tradição indiana que conta que esse conjunto de práticas foi criado por Shiva, uma das mais populares deidades hindus –mas, em algum momento da pesquisa, passará pelo nome de Tirumalai Krishnamacharya (1888-1989), mestre indiano considerado principal influenciador da hatha ioga como é conhecida hoje em dia mundo afora e que, neste mês, recebe homenagens pelos 130 anos de seu nascimento.

A influência de Krishnamacharya é percebida em seus discípulos que ficaram conhecidos fora da Índia, como Pattabhi Jois, pai do Ashtanga Yoga; B.K.S. Iyengar, que estimulou o uso de acessórios como bloquinhos, faixas e cadeiras; Indra Devi, professora de estrelas de Hollywood como Greta Garbo; e Desikachar, filho do próprio mestre e que propagou os ensinamentos dele no Ocidente.

Apesar de alguns de seus alunos terem desenvolvido novos estilos de hatha ioga, um dos ensinamentos de Krishnamacharya foi o de que não são os praticantes quem precisam se adequar a determinado modelo de prática de ioga, e sim que a ioga deve servir a cada indivíduo de acordo com seus objetivos e necessidades, respeitando suas limitações e valorizando seus potenciais.

Isso faz muito sentido quando percebemos que as necessidades pessoais variam de acordo com personalidade, tipo físico, idade, rotina e até problemas pessoais, entre tantos fatores. Se essas variáveis mudam até mesmo em uma única pessoa, imagine em uma sala cheia de alunos com corpos, mentes e histórias tão diferentes –ainda que sejam todos classificados como “iniciantes” ou “avançados”.

Por exemplo, posso ser nova na turma e precisar de uma prática que me ajude a controlar a ansiedade reforçada pelo excesso de demandas profissionais, que me deixam hiperativa e me impedem de tomar consciência sobre mim mesma, enquanto um colega que começou no mesmo dia passa por um momento de desânimo e busca mais disposição para o seu dia. Ou posso ser praticante há muitos anos e estar tratando uma artrite nos joelhos, enquanto o resto da turma avançada quer explorar uma prática física vigorosa. Como então atender a todos, aproveitando o potencial que a ioga tem a oferecer para cada um?

INDIVIDUALIDADES

Tive contato com a tradição de Krishnamacharya quando conheci a minha professora Ana Poubel, no Rio de Janeiro. Ela já conduzia aulas voltadas para o desenvolvimento de prática pessoal e, na época, me explicou que essa era uma forma de nos aproximarmos do modo como a ioga era ensinada tradicionalmente: em uma relação direta e individual entre professor e aluno.

O objetivo é oferecer a cada praticante ferramentas que o ajudem a reduzir ou remover os obstáculos que o impedem de se conectar consigo mesmo. Mas como funciona? Cada aluno é considerado em sua individualidade e recebe uma prática própria, que pode incluir diferentes aspectos de ioga, como “asanas” (posturas), “pranayamas” (exercícios respiratórios para expansão da energia vital), mantras, técnicas de concentração e preparo para meditação.

As sequências pessoais são desenvolvidas com base em princípios fundamentais da ioga, como reconhecimento do ponto de partida de cada indivíduo, respiração consciente e de qualidade, regulação dos fluxos de “prana” e “apana” (energias correspondentes à nutrição e à purificação) e equilíbrio entre as qualidades de “sthira” e “sukha” (firmeza e conforto).

Durante a aula, cada um segue sua prática, periodicamente atualizada. O professor acompanha todos, faz ajustes, propõe mudanças, escuta questões pessoais e estimula a auto-investigação. Nas palavras de Desikachar, no livro “O Coração do Yoga”: “Começamos nossa prática onde estamos, visando atingir determinada meta. Escolhemos, então, os passos que nos levarão a essa meta e que, gradualmente, nos trarão de volta ao nosso cotidiano. Mas nossa prática diária não nos traz de volta exatamente ao ponto em que começamos. Ela nos modifica.”

Com isso em mente, os alunos também são incentivados a levarem sua prática para fora do estúdio e a praticarem diariamente –tanto no tapetinho como fora dele. Assim passam a desenvolver autonomia para que possam, de forma gradual e consciente, construir seu próprio caminho de ioga.