Abalados por ressaca eleitoral buscam saídas para estresse
“Hoje eu chorei várias vezes ao longo do dia. Sinto uma tristeza profunda, no meio do coração.” “Estou sentindo um ódio que nunca senti.” “Estou meio destruída, querendo abraço e tentando não perder forças.” “Eu me sinto angustiada, com altos e baixos, mas já estive pior.”
Esses desabafos são trechos de depoimentos dados –todos sob condição de anonimato– após o segundo turno de uma das eleições presidenciais mais polarizadas desde a redemocratização do país. Passada a votação, muitos brasileiros agora tentam lidar com uma espécie de “ressaca eleitoral”, que tem afetado seus hábitos de sono, apetite, capacidade de concentração e relações pessoais.
“Sinto ódio, só isso. Fisicamente, uma certa tremedeira. Não comi direito e não consegui me concentrar pra ler ou ver um filme para o trabalho. O tempo todo, vem uma angústia que impede que eu fique na mesma posição. Vontade de levantar, andar, não consigo ficar parado. Nunca senti isso”, contou um carioca de 42 anos que trabalha com cinema.
“Foi muito triste andar pelas ruas hoje. Durante todo o processo, foi muito angustiante. Eu não dormi várias noites. Convivi com pessoas que tinham sido torturadas na época da ditadura e que acordaram de madrugada com pesadelo. Sou uma pessoa bastante otimista e equilibrada, mas [a eleição] foi barra pesada. Eu fico triste, talvez, umas duas vezes por ano. Não sou uma pessoa triste, mas agora estou”, relatou um engenheiro agrônomo do Rio de Janeiro, de 45 anos.
O clima de pessimismo já era realidade para a maioria dos eleitores brasileiros desde antes do primeiro turno da votação, segundo pesquisa Datafolha. Questionados sobre como se sentiam quando pensavam no Brasil de hoje, as respostas “insegurança”, “tristeza”, “desânimo” e “raiva” foram apontadas, respectivamente, por 88%, 80%, 78% e 68% dos entrevistados.
Fenômeno semelhante aconteceu nas eleições americanas de 2016, também marcadas pela polarização nas ruas e nas redes sociais. Pesquisa da Associação Americana de Psicologia mostrou que a disputa presidencial foi fonte significativa de estresse para 52% dos americanos acima de 18 anos –índice estatisticamente equivalente entre eleitores democratas e republicanos. Dois meses após o pleito, em pesquisa complementar, 49% e 52% dos entrevistados disseram ainda sentir estresse por causa das eleições e do clima político no país, respectivamente.
Nem sempre os sintomas são reconhecidos de imediato, como foi o caso de uma publicitária de 40 anos, que mora no Rio de Janeiro. “Começou com esse clima de rivalidade, violência e impossibilidade de dialogar com o lado oposto. Parece que a gente não fala o mesmo idioma. De início, era um mal estar generalizado que eu não sabia verbalizar, parecia um cansaço muito profundo e uma incapacidade de organizar meu dia. Comecei a ter insônia e emagrecer. Até que uma médica que me conhece falou: você está com depressão. Está fosca, minguada, com desânimo”, relatou.
JEJUM PARA A MENTE
O professor de ioga Jorge Luís Knak, 47, ressalta a importância de cada indivíduo estar atento a si mesmo para reconhecer o momento de se distanciar da fonte do estresse, a fim de manter a saúde física e mental (leia a entrevista completa). “A questão social e política é uma das dimensões de todo ser humano, assim como o corpo físico. E assim como não é uma opção deixar o corpo sem o devido alimento, não é uma opção abandonar a primeira. Mas, algumas vezes, é saudável um cuidadoso jejum temporário para que o corpo se recupere de excessos”, disse o professor, que se dedica ao estudo da psicologia do ioga e faz atendimentos individualizados em Porto Alegre.
Sair de redes sociais e de grupos de mensagens, buscar contato com a natureza e começar atividades que trazem a sensação bem-estar e conexão consigo mesmo, como dança ou ioga, estão entre as alternativas procuradas por quem se sentiu abalado pelo estresse eleitoral.
“Neste momento pós-eleição, estou procurando fazer parte de outra forma de resistência, que é a resistência do autocuidado e da conexão comigo mesma”, disse uma jornalista mineira, de 37 anos, que desenvolveu uma crise de rinite de fundo emocional. “Hoje participei de uma roda de mulheres voltada para acolhimento e autocuidado. É o que vou procurar seguir a partir de agora, para buscar esse fortalecimento em uma amplitude mais íntima, mais cósmica.”
Entre as sugestões do professor Knak para acalmar o corpo e a mente neste momento está a prática de ioga, com posturas físicas aliadas à respiração consciente. A prática já tem ajudado o engenheiro agrônomo carioca: “Ioga ajuda; caminhar na mata me ajuda demais; trocar energia com a natureza é o que me renova”, disse.
Outras atividades também estão servindo de escape: “Tenho procurado o equilíbrio por meio de atividade física, terapia e estar perto de quem me faz bem. Ajudou e sei que vai continuar ajudando”, contou um economista gaúcho, de 32 anos. A publicitária diagnosticada com depressão alia mudança de hábitos ao tratamento médico: “Estou tomando remédio e faço dança flamenca. Agora estou mais preocupada em ter uma rotina saudável e conseguir pensar em outra coisa que não seja crise política ou violência.”
Apesar do desconforto que a política trouxe para parte da população, Jorge Knak enxerga o momento como oportunidade de crescimento pessoal. “Sem as surpresas, sem a diversidade, sem as boas e sem as más notícias, não descobriríamos todas as riquezas da vida, pois nos moveríamos apenas pelos velhos caminhos protegidos e conhecidos. Que possamos confiar e aprender com todas as circunstâncias que se apresentam, sempre”, analisou.