Professor de ioga comenta riscos e benefícios das aulas online

Antigamente, se você quisesse aprender ioga na Índia, não só precisaria encontrar um professor que aceitasse lhe ensinar, como possivelmente teria que morar com o mestre por um tempo para que ele acompanhasse seu desenvolvimento no dia a dia.

Desde aquela época, muita coisa mudou. Talvez o que tenhamos hoje mais próximo do modelo tradicional seja o “ashram”, uma espécie de comunidade onde alunos e professores convivem por temporadas. Mas as aulas regulares, em estúdio ou particulares, são o formato de ensino que melhor se adaptou ao nosso estilo de vida ocidental de hoje.

Nos últimos anos, uma nova forma de praticar começou a ganhar espaço na rotina dos aprendizes de iogues: as aulas por vídeos online. Antes de optar por este formato, vale a pena checar se sua cidade realmente não tem nenhuma opção que se adeque a você, como aulas em projetos sociais com valores reduzidos ou até por contribuição variável, de acordo com sua renda.

No post anterior, fiz várias ressalvas sobre os riscos e limitações das aulas online. Mas como esta é a única opção para algumas pessoas, procurei o professor Leandro Castello Branco, coordenador do Saraswati Studio, no Rio de Janeiro, para nos contar sobre os cuidados que o aluno precisa ter quando fizer uma aula por vídeo.

Leandro pratica ioga há 17 anos e dá aulas presenciais e online. Morou seis meses na Índia em 2006 e, desde então, tem viajado constantemente para aprofundar os estudos de ioga, vedanta e meditação, já tendo passado por mestres como Swami Dayananda Saraswati, Gloria Arieira, Dalai Lama e Thich Nhat Hanh.

Para aulas online, Leandro recomenda as que incluem posturas fáceis, como a do vídeo abaixo, e ressalta a importância da liberação médica e da auto-observação, para o praticante não permanecer em uma postura quando sentir dor nas articulações ou na coluna. Veja abaixo os principais trechos da nossa conversa.

Blog Namastê: Uma vez você disse que antes resistia em dar aulas de ioga pela internet, mas que depois mudou seu ponto de vista. O que fez você mudar de ideia?
Leandro Castello Branco: Trabalho há muitos anos com aulas regulares e turmas de formação de professores de ioga. Nesse tempo, muitas pessoas de outros Estados se interessaram pelo curso de formação mas, embora elas conseguissem vir para os fins de semana de aula, em suas cidades elas não podiam manter sua prática pessoal, por falta de professores. Isso impossibilitava o processo. Conforme o tempo foi passando, fui me dando conta de que, fora dos grandes centros, há carência por aulas de ioga e meditação. E –apesar de que não acho que seja possível formar um professor à distância– falando com relação à prática pessoal, apenas, me vi diante da seguinte questão: se a pessoa não tem um professor próximo a ela, é melhor ela não praticar ou tentar através da internet fazer algo básico? Acho que o mundo está precisando de mais iogues, então acho que, com os devidos cuidados, é possível praticar pela internet.

Quais são os riscos de praticar ioga sem um professor por perto?
Os mesmos de uma aula presencial, só que potencializados. Por isso, a prática online deveria ser, a meu ver, sempre tranquila e com opções que abarquem as dificuldades mais comuns. O risco maior é desenvolver ou piorar alguma lesão pré-existente, principalmente. Poderiam existir outros riscos ligados à prática excessiva de pranayama (exercícios respiratórios), por isso recomendo os básicos somente e com pouca duração. Considero que num nível básico da prática, sem posturas complicadas ou técnicas avançadas, é possível praticar online com segurança.

E quais recomendações você dá para quem faz aulas pela internet?
Instruções que seriam passadas em qualquer aula presencial valem aqui, reforçadas: não insistir em dores articulares ou na coluna, observar seu próprio corpo durante e após a prática e, acima de tudo, estar liberado por um médico para atividades físicas. Falo constantemente, no vídeo e fora (em mensagens ou comentários via Facebook) para lembrar da respiração consciente e profunda e como ela é a medida do ásana [postura]: se estiver errática ou sumir, a postura passou do ponto. Encorajo também o desenvolvimento de autopercepção: os alunos se observarem durante prática, logo após, no dia seguinte e no longo prazo. Friso para que sigam as instruções de alinhamento ao pé da letra e ofereço opções para as dificuldades mais comuns. Acima de tudo, como já falei, recomendo uma avaliação médica completa antes de começar.

Se o aluno também fosse filmado para que o professor visse sua prática, isso ajudaria a reduzir os riscos?
Ajudaria, mas não é suficiente. Primeiro, porque não é possível avaliar as postura todas de uma aula somente de um determinado plano –seria preciso que a câmera mudasse de lugar conforme o ásana, o que inviabiliza o processo. Depois, talvez isso fosse até possível com um aluno ou dois, mas em larga escala, não. O que eu particularmente faço é ter vídeos explicando as posturas, quais os erros mais comuns e como evitá-los. Também encorajo que os alunos tirem fotos e fiquem sempre em contato comigo para informar quaisquer dores e desconfortos, sejam físicos ou não.

Essas novas formas de praticar ioga surgem porque vivemos num mundo em constante transformação. Na época em que a ioga surgiu, se existisse a facilidade tecnológica que temos hoje, você acha que essa possibilidade de aula remota seria usada?
Não acho, pois o ensino online tem sérias limitações. Em termos de prática física, não é possível se aprofundar nas posturas com segurança, por exemplo. Uma coisa é você ensinar ao sujeito “pashcimottanasana” (em linhas gerais, sentar com as pernas esticadas e tentar alcançar os pés), outra coisa bem diferente é tentar colocar o sujeito em “adho mukha vrksasana” (a famosa parada de mão). Precisamos lembrar também que, nessa época, o foco não eram as posturas, mas os mantras, os rituais, as meditações e a manutenção do “dharma” [princípios] na vida do aluno. Por isso, acredito que, mesmo disponível, um professor tradicional da época não usaria. Para passar essas coisas, eu também não uso. Mantras, por exemplo, que é uma coisa que as pessoas querem sempre aprender, eu não passo online de jeito nenhum.

E se falarmos dos aspectos teórico e filosófico, o aprendizado pode ficar limitado pelo fato de a relação professor-aluno não ser direta e individualizada?
É muito interessante que, apesar da distância, em muitos casos tenho mais contato com meus alunos online do que com aqueles que vêm duas a três vezes na semana no meu estúdio praticar. Pela internet, recebo vídeos, áudios, e-mails, formamos os grupos dos alunos… Enfim, é uma interação muito intensa se formos parar pra pensar. Considero que não fica nada a dever, realmente, a uma turma “normal” nesse quesito. Poderia se argumentar que o “olho no olho” ou a relação próxima de professor e aluno é prezada pela tradição. No entanto, onde hoje em dia vivenciamos isso? É claro que a preferência será sempre para o contato próximo, estar ali, sentar aos pés do mestre –inclusive, eu sempre falo isso. Porém, como segunda opção, o online pode não decepcionar quando bem conduzido.

Então, apesar de todas as limitações, você acredita que as aulas online podem sim ser importantes…
A meu ver, o estudo e a prática online de ioga vêm democratizar o conhecimento numa época em que precisamos cada vez mais estar saudáveis, física, mental e emocionalmente. É uma ferramenta poderosa e, como tal, deve ser usada com cuidado. Através dos depoimentos dos alunos, posso ver o poder que mesmo uma prática suave para iniciantes pode ter e a diferença que isso faz na vida das pessoas. Quando vamos ao estudo dos textos, aí mesmo é que dá pra apreciar o poder dessa tradição. As pessoas relatam como mudaram sua maneira de agir, sua forma de ver o mundo, ganhando capacidade para lidar com questões, problemas emocionais e as pessoas em volta. É muito animador!