Nem todos os gurus vestem túnicas
Minha professora tem cabelo joãozinho, mas não é monja. É casada e às vezes deixa escapar um palavrãozinho de nada. Ela é jovem e bonita, vive numa cidade grande e é ativa nas redes sociais, mas acorda às 4h da madrugada para sua prática diária. Está por dentro do que acontece mundo afora, mas parece que sabe mais sobre o mundo dentro de cada um de seus alunos do que eles próprios.
Não morar em um “ashram” –mas passar algumas temporadas por lá– e não andar por aí vestida com uma túnica laranjada –mas nos dias frios usar um lindo xale indiano– não faz dela menos professora, mestre ou guru (ainda que ela fique de cabelo em pé ao ler isto).
Pelo contrário: ao viver como vivemos hoje em dia, ela me faz perceber que não precisamos fugir pra uma montanha sagrada para encontrar o que buscamos com ioga. Quer dizer, a não ser que você queira mesmo ir meditar no monte Kailash, no Tibete. Por que não?
Hoje, lua cheia do mês “ashada” no calendário hindu, é o dia em que a Índia comemora o Guru Purnima, uma homenagem aos professores, mestres e gurus. Um texto oriental, chamado de “Advayataraka Upanishad”, define o guru como aquele que tira a ignorância: “A sílaba ‘gu’ significa escuridão e a sílaba ‘ru’ significa aquele que a elimina. Devido ao poder de dissipar a escuridão, assim é chamado o guru”. O termo implica diferentes níveis de compreensão, mas uso aqui para me referir ao mestre mais próximo que nos orienta na nossa prática pessoal.
Só de pensar na possibilidade de ter um guru, alguns leitores podem virar o rosto e se contorcer em “marichyasana”, a postura do sábio Marichy (na foto acima, realizada pelo mestre B. K. S. Iyengar). Não é à toa. Nossa cultura ocidental supervaloriza o individualismo, o autodidata e a independência na busca pelo conhecimento.
Ser autodidata é mesmo uma habilidade bem útil, mas insuficiente quando o objeto em estudo somos nós mesmos, o que acontece com ioga. É preciso que exista uma relação de confiança entre o aprendiz e alguém mais experiente, como se este lhe apontasse um espelho, permitindo que o aluno descubra o conhecimento que já tem em si mesmo –que também pode ser chamado de seu mestre interior. Mas isso não significa que devemos simplesmente fechar os olhos e seguir um guru cegamente, sem questionamentos.
Gosto de um trecho do livro “O Coração do Yoga”, em que T. K. V. Desikachar explica que o guru não é alguém que tenha seguidores, mas quem lhe incentiva a descobrir seu próprio rumo: “O verdadeiro guru é o que lhe mostra o caminho. Você segue o caminho, e então vai sozinho, por sua conta […] Posso sempre agradecer meu guru naturalmente e apreciar a relação com ele, mas não preciso segui-lo, porque senão não estaria no meu próprio lugar. Seguir o caminho do guru é outra forma de perder a si próprio”.
Ou, como aprendi com minha professora: primeiro passamos por uma fase de observar, investigar e questionar os valores e comportamentos do mestre. A partir do momento em que nos sentimos seguros de que ele é coerente com os ideais em que acreditamos, a confiança se estabelece e nos abrimos para o que ele tem a nos oferecer. É aí que começa a instigante jornada da auto-investigação.