Silenciar a mente é focar no pensador, diz professora de meditação
Ter uma vida meditativa não é algo que acontece só quando você está sentado de pernas cruzadas e olhos fechados. Na verdade, um dos desafios da meditação é justamente trazer o aprendizado da prática para as situações corriqueiras do dia a dia que poderiam gerar ansiedade, estresse ou tensão. Esse é um dos ensinamentos da professora Gloria Arieira, 65, uma experiente pesquisadora das tradições espirituais indianas.
Discípula do Swami Dayananda Saraswati (1930-2015), com quem estudou na Índia, e mestre de alguns dos mais disputados professores de ioga do Rio de Janeiro, Gloria é fundadora de um centro de estudos onde ensina diferentes disciplinas, como meditação, sânscrito, ioga sutras (texto clássico da filosofia iogue) e vedanta (um dos sistemas filosóficos indianos). Também mantém um podcast sobre meditação, disponível em plataformas como iTunes e SoundCloud.
“O início da meditação é basicamente lidar com nossas emoções e aprender a gerenciá-las. Não existe emoção inadequada porque a gente não tem escolha das emoções. Elas ocorrem na nossa mente por uma ordem psicológica e cósmica, não pela nossa responsabilidade. Nossa responsabilidade é exclusivamente e totalmente na ação, que pode ser física, oral ou mental”, explica Gloria em um dos episódios do podcast.
“Por exemplo, temos escolha em, tendo ciúme, dar continuidade a ele. Posso fazer uma ação mental de alimentar minha raiva ou de quebrá-la e dizer: ‘não, talvez não seja assim tão sério, deve ter uma boa razão, vamos esperar pra ver’. Então temos como equilibrar na nossa mente a emoção que veio fazendo um esforço, que é a ação.”
Com olhar sereno e expressão inabalável, quase sempre acompanhados por uma longa trança grisalha e gestos precisos, a professora prende a atenção dos alunos trazendo os ensinamentos tradicionais indianos para o mundo ocidental contemporâneo, unindo ritualismo e descontração, invocando respeito e estimulando bom humor.
Foi a ela que recorri para dar continuidade ao tema do post anterior, onde falamos sobre como incluir a meditação em uma rotina diária. Quando começamos a meditar com regularidade, muitas dúvidas costumam surgir. Por isso, escolhi algumas das questões que ouço com mais frequência para que a professora Gloria nos ajude a entender melhor esse processo. Leia a seguir trechos da entrevista.
Blog Namastê: Várias técnicas diferentes podem ser usadas para a meditação: transcendental, vipassana, zazen, foco na respiração, repetição de um mantra… Todas levam ao mesmo destino?
Gloria Arieira: Existem dois tipos básicos de meditação dentro do estudo de vedanta, a parte final dos Vedas [escrituras indianas]. Um tipo tem como objetivo aquietar a mente e aprender a focar; outro é a contemplação sobre a natureza do “eu”, que acompanha o estudo dos textos de vedanta.
Todas as meditações mencionadas acima têm como objetivo lidar com a mente e gerenciá-la melhor. E todas elas conseguem de alguma forma alcançar este objetivo duplo, de acalmar e focar. Aqui estamos lidando com a mente.
O outro tipo de meditação não lida com a mente, mas com um entendimento mais profundo sobre o “eu” e necessariamente acompanha um estudo com um professor ou professora.
Quais são os principais benefícios da prática regular de meditação?
O principal objetivo é poder estar consigo mesmo, só, e estar bem. Descobrir a paz que pertence à pessoa, que não é produzida por nada. É entender sua mente e aprender a lidar com ela. É ter uma mente meditativa, que tem a capacidade de autorreflexão. Afinal, a mente é um instrumento de percepção, de conhecimento, para viver plenamente e feliz.
Meditar não é simplesmente fechar os olhos e interromper os pensamentos. O que é preciso para que a meditação aconteça?
A meditação sempre inclui um meditador, um objeto meditado e o ato de meditar. Para conseguir meditar, a pessoa deve ter claro o que quer alcançar com a meditação, qual seu objetivo. Pode ser entender sua mente, aquietá-la momentaneamente, esquecer os problemas, conectar-se com algo maior ou descobrir a verdade de quem você é.
E como é possível começar a meditar, na prática?
Depois de estabelecer seu objetivo, ver qual o tipo de meditação que você pretende usar e conduzir a sua mente à meditação, a estar confortável com a pessoa que você é e capaz que estar objetivamente no momento presente.
Começar com uma forma de meditação que aquiete a mente e que, a seguir, possa levar a descobrir a paz que é a sua natureza. Esse é o mais simples método. Mas se faz necessário poder contar com uma pessoa que nos possa orientar. A mente é o que temos de mais precioso. Ela pode nos levar ao desespero ou à maior felicidade. Uma boa, sólida e confiável orientação fará toda a diferença.
Muitas pessoas sentem dificuldade porque não conseguem “silenciar” a mente. Que recomendação a senhora daria?
A mente é o assento de nossas percepções, nossas emoções, nossos entendimentos. Percepções, emoções, entendimentos estão sempre presentes e podem agitar a mente. Silenciar é não focar no objeto do pensamento, mas no pensador; olhar para o pensamento como um objeto. Por exemplo, não somente ter raiva e expressá-la, mas olhar para ela vendo sua natureza e força, acolhê-la e dar a melhor forma possível a ela.
Meditar é bom que seja feito com a orientação de alguém que já medita. A mente deve descobrir o prazer que é meditar, e não ser forçada a fazer algo que ela não tem verdadeiro interesse.
Eu diria que, para começar, a pessoa pode se sentar todos os dias, por dez minutos. Observar seu corpo sentado, observar sua respiração e cantar um mantra, ou uma frase significativa, como “eu sou a paz”, 11 vezes. Antes de fechar os olhos, tentar perceber como se sente e somente registrar o que sente; se quiser, depois pode pensar mais sobre o que o preocupa, de olhos abertos [não durante a meditação].
No seu podcast, a senhora destaca a importância da meditação como ferramenta para gerenciar as emoções. Como silenciar a mente pode ajudar nisso?
Temos que entender que temos uma única mente. A mente que vive o dia a dia é a mesma que tenta meditar. Se a mente é sempre agitada, dispersa e desconhecida da própria pessoa, como ela poderá se aquietar num momento restrito do dia designado à meditação?!
As emoções são naturais e inevitáveis, são o que nos faz humanos. Mas temos que reconhecer as nossas emoções e acolhê-las com objetividade pelo que são, sem tentar mudá-las. Qualquer verdadeira mudança nasce de entendimento.
Silenciar a mente é consequência da vida meditativa. A mente se faz meditativa, e naturalmente medita, se a pessoa é atenta à sua mente. Meditar requer mais do que um momento do dia, requer que a vida da pessoa seja meditativa, consciente, o que não quer dizer nem controle, nem rigor.
Na semana passada, vimos que a meditação ajudou as crianças presas em uma caverna na Tailândia a enfrentarem aquela situação. Como a meditação também pode nos ajudar a sair das “cavernas” da nossa mente?
A caverna é um lugar escuro. A escuridão é o grande problema do ser humano: a ignorância sobre si mesmo e a consequente confusão e ilusão. Ao jogar luz em nossa mente, entendendo e acolhendo como ela é, conseguimos aprender a lidar com ela de forma clara e efetiva.