Se não é só postura física, o que é ioga afinal?

Você provavelmente já ouviu por aí que ioga não se resume a fazer posturas físicas em um tapetinho. Mas também já deve ter visto tantas definições diferentes, que é bem possível ficar confuso em meio a tudo isso. Então, o que é ioga afinal?

As explicações podem variar de acordo com a fonte. Para dar um panorama geral, vou me basear em dois livros que considero fundamentais para quem quiser se aprofundar no tema: “O Coração do Yoga”, de T. K. V. Desikachar, e “A Tradição do Yoga”, de Georg Feuerstein. Você vai perceber que, no fim das contas, os diferentes conceitos se complementam. Quer ver? Então me acompanhe…

Na tradição indiana, ioga é um dos seis principais “darshanas” –escolas ortodoxas ou sistemas filosóficos hindus, considerados “pontos de vista” ou perspectivas sobre a realidade –no hinduísmo, a separação entre filosofia e religião não é tão clara como no Ocidente.

Os outros cinco são “mimamsa” (análise das questões morais), “vedanta” (metafísica não-dualista, vê a realidade como um todo único), “sânquia” (estuda as categorias da existência de forma dual, com separação entre natureza e seres), “vaisheshika” (distingue as coisas por categorias da existência) e “nyaya” (estudos de lógica e retórica). Vamos nos concentrar na visão da ioga.

PERSPECTIVA DA ESPIRITUALIDADE

Se buscarmos a origem da palavra, ioga vem do sânscrito “yuj”, que significa juntar ou unir. Por isso ouvimos tanto que ioga é união. Mas união com o quê? Desikachar afirma que é com “o que quer que nos aproxime da compreensão de que há uma força superior e maior do que nós mesmos”, chame isso como quiser: realidade transcendente, força do universo, energia da natureza, Deus, Alá…

Esse estado de união, acompanhado por um êxtase que vem da compreensão máxima sobre a nossa natureza e o universo, é chamado de samádi e visto como um dos objetivos da ioga.

Também se fala de união entre corpo, mente e espírito (ou emoções). Em outras palavras, seria direcionar todos os nossos sentidos e atenção para um único foco. E o que isso significa, na prática? Significa, por exemplo, fazer uma coisa de cada vez nas nossas tarefas cotidianas ou, em uma aula de ioga, manter a atenção no corpo e na respiração, em vez de ficar pensando no que você vai fazer quando sair dali ou de viajar em outros pensamentos que não têm nada a ver com a prática.

Meditação em Varanasi
Praticantes de ioga meditam às margens do rio Ganges, em Varanasi, na Índia (Foto: Patrícia Britto)

Isso nos leva à próxima definição histórica.

No “Ioga Sutra”, texto clássico considerado um marco da ioga, o filósofo Patanjali a descreve como a “contenção das flutuações da mente”, também entendida como a habilidade de direcionar a mente, sem distração, para determinado objeto. Isso pode ser alcançado por meio de posturas físicas, direcionamento da respiração, meditação, entre outros. Ao todo, são descritos oito passos (“ashtanga”), que rendem um novo post.

Já no “Bhagavad Gita”, outro texto clássico indiano, ioga é descrita como “perícia na ação”, ou a capacidade de realizar cada ato com excelência. Mais uma vez, essa excelência na ação seria resultado de uma mente focada. Outro trecho do mesmo livro trata ioga como “equanimidade”, o que resultou nas frequentes referências a “equilíbrio” e “harmonia” do ser –também consequência daquele estado de plena consciência.

Viu como, apesar de diferentes, essas definições têm tudo a ver uma com a outra?

‘QUESTÃO PESSOAL’

Apesar de ter surgido na tradição hindu, o conteúdo da ioga é considerado universal e não é preciso seguir aquela religião, ou qualquer outra, para praticar a filosofia indiana, segundo Desikachar:

“A verdadeira prática de ioga leva cada pessoa numa direção diferente. Não é necessário concordar com uma ideia particular sobre deus para seguir o caminho da ioga. A prática de ioga só requer que ajamos e estejamos atentos às nossas ações. Cada um de nós deve ser cuidadoso com a direção que toma, para que saiba aonde vai e como vai chegar aonde quer. Essa observação cuidadosa nos tornará aptos a descobrir algo novo. Se essa descoberta nos leva a um melhor entendimento sobre deus, a um maior contentamento ou a um novo objetivo, isso é uma questão completamente pessoal.”

Lakshman Jhula em Rishikesh
Vista da ponte Lakshman Jhula, em Rishikesh, considerada a capital da ioga (Foto: Patrícia Britto)

Juntando as principais explicações, podemos entender ioga como uma disciplina ou estilo de vida que nos leva a uma maior compreensão sobre nós mesmos e o universo. E que, por meio dela, entendemos melhor nossos padrões de comportamento e podemos fazer escolhas menos influenciados por condicionamentos ou pela repetição automática de hábitos.

É por isso que dizemos que ioga é muito mais do que posturas. O que isso tem a ver com o seu tapetinho? A prática física é um dos diferentes caminhos para desenvolver o domínio sobre a mente e alcançar um conhecimento maior sobre nós mesmos. Esse entendimento pode vir, por exemplo, quando observamos nossas atitudes diante de uma postura difícil: desistimos rápido? Trabalhamos até chegar lá? Ou deixamos o ego falar mais alto e insistimos nela, mesmo que o corpo ainda não esteja pronto? E o que isso nos diz sobre nós mesmos?