namastê https://namaste.blogfolha.uol.com.br Vida de ioga no tapetinho e fora dele Wed, 19 Jun 2019 10:00:46 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 O que um pássaro visitante e a chikungunya me ensinam sobre desapego https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2019/05/06/o-que-um-passaro-hospede-e-a-chikungunya-me-ensinam-sobre-desapego/ https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2019/05/06/o-que-um-passaro-hospede-e-a-chikungunya-me-ensinam-sobre-desapego/#respond Mon, 06 May 2019 10:19:12 +0000 https://namaste.blogfolha.uol.com.br/files/2019/05/pássaro-noite-320x213.jpg https://namaste.blogfolha.uol.com.br/?p=617 Um dia desses, um pássaro de peito amarelo e que caberia na palma da minha mão desdenhou a goiabeira no quintal, entrou pela janela e se embrenhou na luminária de cipó, onde decidiu construir um ninho –bem no meio da sala. Graveto por graveto, entrelaçando técnica e paciência, deu forma a um abrigo engenhoso –que acredito ter sido concluído ontem, com o ritual de acasalamento que testemunhei.

Aprendemos muito com a natureza. Se temos a mesma origem e até intercambiamos átomos e moléculas, por que não compartilhar também aprendizado? Acompanhar a construção do ninho foi uma lição de “abhyasa” e “vairagya”: prática constante e desapego; empenho e entrega, entre as traduções possíveis. Quando caminham (ou voam) juntos e equilibrados, esses dois princípios da ioga facilitam a jornada.

Meu hóspede começa seu trabalho logo cedo: chega trazendo no bico um graveto, encaixa na luminária, e voa em busca de mais matéria-prima. Volta com outro graveto. E depois outro. Um a um. Todos os dias. Um olhar apressado não perceberia muita mudança, mas quem acompanha com cuidado vê uma transformação em curso –possível porque, apesar de simples, a prática é constante. Isso é “abhyasa”.

Nem todos os gravetos foram encaixados de primeira. Alguns eram muito grandes e não couberam na luminária. Outros simplesmente caíram do bico antes de chegar. Parte dos gravetos perdidos no caminho o pássaro conseguiu recuperar. Mas tantos outros ele simplesmente deixou pra lá (o chão da sala que o diga). Desapegou-se, aceitou e não deixou que as perdas lhe distraíssem do foco no seu objetivo. Isso é “vairagya”.

EMPENHO CONSTANTE

Há um mês, comecei a sentir os sintomas da chikungunya, virose que causa dores nas principais articulações do corpo. Acostumada com a rotina cheia e o corpo ativo, eu me senti frustrada ao ter que me afastar do trabalho por, no mínimo, um mês. Também me senti triste por me ver temporariamente sem autonomia pra fazer tarefas básicas do dia a dia, como preparar minha própria refeição. E ansiosa por não saber quanto tempo exatamente aquela situação poderia durar.

Mas assim como o pássaro-iogue, tento trazer “abhyasa” e “vairagya” pra rotina. Nem sempre é fácil, mas sempre é possível tentar em algum grau. E acredito que graças a esses princípios tenho conseguido lidar melhor com o desafio das dores e manter a serenidade na maior parte do tempo –graças também ao apoio da minha família, amigos e alunos, a todos me sinto muito grata.

Tenho então me dedicado com empenho para minha recuperação: acompanhamento médico, repouso, alimentação e rotina orientadas pela minha terapeuta ayurvédica e tempo suficiente para me conectar com o ritmo do meu corpo, respirar com consciência e simplesmente estar presente comigo mesma mesma. “Abhyasa” está por aqui.

ABERTURA AO INESPERADO

Mas a ioga nos recomenda que o empenho venha acompanhado de desprendimento e abertura para que resultados diferentes dos que buscamos possam acontecer. Quando desejamos algo, acreditamos que aquilo é o melhor para nós, mas isso acontece com base nas nossas experiências, que são limitadas. Nem sempre nos damos conta de que resultados que não esperávamos podem ser uma janela para novas possibilidades tão interessantes que nem imaginávamos que existiam, por isso não havíamos buscado.

Quem não conhece uma história de alguma situação desagradável que abriu novas oportunidades? Uma demissão que permitiu a alguém encontrar um trabalho que tem mais a ver consigo mesmo; uma separação difícil que abriu caminho para um novo relacionamento incrível; a morte de uma pessoa querida que nos fez aproveitar melhor o tempo com os que estão vivos; um acidente que nos fez repensar tantas coisas.

Até agora, as dores me deram oportunidade de me conhecer melhor em situações de abalo físico e emocional, dedicar mais tempo ao autocuidado, ter uma ideia do que é a força que independe do meu corpo físico, observar minhas relações por outras perspectivas e experimentar novas abordagens para a prática de ioga. Apesar de ainda ter articulações doloridas, eu me sinto bem e hoje começo a voltar ao trabalho. Sei que o caminho da recuperação continua e quero estar aberta para que “vairagya” continue por aqui.

Com tudo isso, não quero dizer que é errado nos sentirmos inseguros diante do desconhecido ou frustrados quando as coisas não saem como queremos. Mas aceitar a diversidade do universo, ver a beleza no desconhecido e lembrar que o inesperado também traz novas oportunidades nos deixa mais tranquilos para que possamos seguir em frente com leveza e satisfação, em vez de empacarmos com o graveto que cai antes de chegar no ninho.

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Como nos comunicamos afeta a qualidade das nossas conexões https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2019/03/15/como-nos-comunicamos-afeta-a-qualidade-das-nossas-conexoes/ https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2019/03/15/como-nos-comunicamos-afeta-a-qualidade-das-nossas-conexoes/#respond Fri, 15 Mar 2019 20:28:24 +0000 https://namaste.blogfolha.uol.com.br/files/2019/03/cnv1-320x213.jpg https://namaste.blogfolha.uol.com.br/?p=577 Você já teve a sensação de que, por mais que você se esforce, as pessoas com quem você convive não conseguem lhe entender? Mesmo que você repita várias vezes, elas parecem não lhe ouvir? Ou que a sua mensagem chega distorcida do outro lado? E quando você se dá conta, em vez de realmente discutirem o assunto que interessa, vocês estão trocando acusações ou reagindo de forma defensiva?

Esses embaraços acontecem com frequência em relações de todos os tipos, pessoais ou profissionais, e atrapalham o surgimento de uma conexão verdadeira entre as pessoas. Como consequência, muitas vezes nos vemos em relações superficiais, onde não nos expressamos honestamente e nos sentimos isolados e frustrados, mesmo cercados de pessoas que parecem se preocupar conosco.

Percebendo isso, o psicólogo americano Marshall Rosenberg (1954-2015) desenvolveu, na década de 1960, um método para ajudar as pessoas a se comunicarem de forma mais consciente e, assim, estabelecerem conexões mais profundas em seus relacionamentos. É o que ele chamou de Comunicação Não Violenta (CNV) –que, apesar do nome, não é útil só para os “briguentos”.

Como a não violência é um princípio fundamental da ioga (“ahimsa”), a CNV virou assunto recorrente entre praticantes e uma ferramenta útil no caminho de busca por harmonia, colaboração, paz  e bem-estar.

O MÉTODO

De forma sucinta, a Comunicação Não Violenta propõe um conjunto de técnicas que nos ajuda a expressar de modo claro o que observamos em determinada situação, como nos sentimos em relação a esses fatos, quais necessidades temos que não estão sendo atendidas e o que gostaríamos que fosse feito para que elas fossem supridas.

Esses passos são detalhados no livro “Comunicação Não-Violenta”, onde Rosenberg explica que as dificuldades de comunicação surgem porque “a maioria de nós cresceu usando uma linguagem que, em vez de nos encorajar a perceber o que estamos sentindo e do que precisamos, nos estimula a rotular, comparar, exigir e proferir julgamentos”. Portanto, o método nos incentiva a desenvolver mais consciência sobre nossos sentimentos e necessidades em vez de julgar e culpar os outros. Isso não significa aceitar de forma passiva as situações que nos incomodam, mas ao contrário, entender a origem dos conflitos para encontrarmos soluções mais eficazes do que a mera troca de acusações.

O primeiro passo para estabelecermos diálogos saudáveis seria a observação dos fatos de forma objetiva, sem contaminá-los com nossos julgamentos ou rótulos, como o que é bom ou mau, certo ou errado –já que essas não são verdades absolutas e sim interpretações pessoais. Ou seja, para começar a conversa, em vez de criticar, podemos relatar os fatos. “Quando os outros ouvem críticas, tendem a investir sua energia na autodefesa ou no contra-ataque. Quanto mais diretamente pudermos conectar nossos sentimentos a nossas necessidades, mais fácil será para os outros reagir compassivamente”, afirma o  autor.

Outro ensinamento da CNV é a necessidade de compreendermos nossos sentimentos e assumirmos a responsabilidade por eles. Rosenberg observa que temos a tendência de culpar os outros pelo que sentimos, e que o comportamento alheio pode até ser um estímulo, mas não a causa dos nossos sentimentos. A causa real seriam nossas próprias necessidades, desejos, expectativas, valores ou pensamentos –que podem ou não estar sendo atendidos.

Daí surge a importância de sabermos identificar quais são nossas necessidades e expectativas, além de sabermos ouvir e identificar as necessidades das pessoas com quem nos comunicamos, que estão nas entrelinhas de seus comportamentos e reações. Em vez de julgá-los, podemos nos perguntar: quais são as necessidades que esta pessoa está tentando atender quando tem esta atitude, e quais necessidades minhas eu não consigo atender quando ela age dessa forma? Para o autor, por trás de toda reação violenta existe uma necessidade não atendida e lembrar disso estimula a cooperação.

Em geral, sabemos pouco sobre nossos sentimentos e necessidades. Costumamos reduzir as sensações positivas em “alegria” e as negativas em “tristeza” e esquecemos que entre eles existe uma grande variedade de nuances. Para nos ajudar nessa compreensão, o Instituto CNV Brasil disponibiliza listas de sentimentos e necessidades humanas universais.

Tendo clareza sobre as nossas necessidades, chegamos ao momento de formular, em linguagem clara, pedidos específicos para resolver o impasse. E esse é um ponto crucial no processo da CNV. Às vezes, deixamos de fazer pedidos acreditando que a outra pessoa já deveria saber do que precisamos ou porque tememos a reação do outro –e esta é uma causa frequente de frustrações. Mas é justamente este passo que garante que a relação será pacífica e não passiva. Se não nos expressamos, não podemos esperar que o outro adivinhe o que queremos.

Por outro lado, também é um problema quando o pedido vem em forma de exigência. “Quando outra pessoa ouve de nós uma exigência, ela vê duas opções: submeter-se ou rebelar-se.” Se acreditamos que as relações saudáveis se sustentam em liberdade e autonomia, os pedidos são mais interessantes que as exigências. Quando atendidos, são uma demonstração de colaboração voluntária. Mas, como é um pedido, devemos lembrar que sempre podemos ouvir um “não”.

EMPATIA

Um dos obstáculos que atrapalham que uma comunicação mais verdadeira se estabeleça é a resistência que temos em nos abrir, revelar nossos sentimentos e necessidades e fazer um pedido, porque isso nos mostra vulneráveis. Na nossa cultura, aprendemos que precisamos demonstrar ser fortes e seguros e que vulnerabilidade seria um sinal de fraqueza. Mas pensar que existem pessoas sem vulnerabilidades é um engano. O que existem são pessoas com medo de se expressar.

A experiência daqueles que têm procurado se expressar de forma mais autêntica mostra que, quando conseguimos transcender o medo da vulnerabilidade, o resultado é que estimulamos a empatia do nosso interlocutor e aumentam as chances de que ele queira nos compreender e tenha disposição para chegarmos a um acordo.

Existe muito material disponível para quem quiser se aprofundar no assunto. Além do livro de Marshall Rosenberg, que é didático e cheio de exemplos que nos mostram como praticar CNV no dia a dia, recomendo os vídeos da Carolina Nalon, especialista em CNV, e este texto do escritor Frederico Mattos. Em várias cidades também há eventos, cursos e palestras sobre o tema. Além disso, até a próxima sexta-feira (22), está no ar no Instagram a campanha #jornadacnv, criada pelo projeto @Instamission para divulgar o método.

Praticar Comunicação Não Violenta nem sempre é fácil, mas quando começamos a ter mais consciência sobre nossos sentimentos e necessidades e aprendemos a expressá-los, bem como conseguimos ouvir e enxergar as necessidades dos outros, chegamos mais perto de um ponto de equilíbrio que atenda o máximo possível a todos os lados. Teremos então maiores chances de criar e sustentar relações nutritivas e gratificantes.

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Ioga, por si só, não é remédio para nada https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2018/12/14/ioga-por-si-so-nao-e-remedio-para-nada/ https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2018/12/14/ioga-por-si-so-nao-e-remedio-para-nada/#respond Fri, 14 Dec 2018 18:02:30 +0000 https://namaste.blogfolha.uol.com.br/files/2018/12/tapete-de-ioga-2-150x150.jpg https://namaste.blogfolha.uol.com.br/?p=495 Não adianta praticar posturas de ioga todos os dias, exercícios de respiração, espalhar frases sobre viver em harmonia com o universo e pensar que isso, por si só, vai curar sua dor nas costas, lhe tornar uma pessoa menos ansiosa, resolver seus conflitos internos ou problemas de relacionamento e trazer a iluminação. Pelo que se sabe até hoje, não vai. Nem adianta apostar toda sua grana na nova aula de ioga se for esperar que tudo se resolva magicamente.

Pode até ser que as dores nas costas sumam por um tempo ou a meditação alivie alguma angústia, e não tem problema nenhum em se beneficiar disso. Só que, se não vamos a fundo na origem dos problemas, não identificamos nossos hábitos que geram consequências indesejadas e não traduzimos isso em mudanças concretas de padrões na vida fora do tapetinho, os incômodos tendem a voltar, porque as causas permanecem.

Os “asanas” (posturas de ioga), por exemplo, praticados de forma adequada a cada um, realmente podem ajudar a melhorar a circulação, aumentar a mobilidade, recuperar força e consequentemente trazem mais disposição e bom humor. Mas pouco adianta se o que você aprende em uma hora de prática você desfaz nas outras 23 horas do dia com posturas ou movimentos que prejudicam seu corpo: se trabalha oito horas sentado com as costas curvadas ou continua tensionando os ombros enquanto dirige, pode experimentar: quando você parar os exercícios, as dores voltarão.

Da mesma forma, para que serve meditar horas por dia e, quando abrir os olhos, ignorar como funcionam seus padrões mentais, manter os mesmos hábitos que geram ansiedade, repetir atitudes e formas de se relacionar que trazem raiva, tristeza, culpa ou arrependimento, se deixar levar exclusivamente por estímulos externos que oscilam da euforia à frustração em vez de fazer escolhas conscientes que permitam sentir no dia a dia aquela paz procurada na meditação?

Exemplos de hábitos que tiram nossa paz são incontáveis. Trabalhar tanto até prejudicar a saúde, necessária até mesmo para a qualidade do próprio trabalho. Insistir em relações destrutivas. Manter uma alimentação desequilibrada, que traz indisposição a curto e doenças a longo prazo. Habituar-se a mentir, alimentando uma tensão constante pela possibilidade de ser descoberto. Cada um tem liberdade para escolher suas próprias ações, e não existe verdade absoluta sobre certo ou errado. Mas quando as consequências dos nossos próprios atos nos incomodam, é aí que entram as escolhas conscientes de que ioga fala.

DE PACIENTE A AGENTE

Ioga não é um tratamento médico em que deixamos nossos problemas nas mãos de um especialista –que muitas vezes nos conhece superficialmente; ele traça uma linha de investigação baseada em protocolos gerais; os exames indicam o diagnóstico; e os remédios tratam os sintomas, independentemente do nosso grau de interesse e participação nos processo. Também não é um remédio, que acaba com os sintomas, algumas vezes até mascarando as causas.

Não que a medicina convencional não tenha seu papel crucial para nos proporcionar bem-estar. Tem, sim, e isso não deve ser desprezado. Só que ioga funciona de um jeito diferente e não adianta trazer os mesmos padrões que já não estavam nos servindo se esperamos por mudanças como as que mencionamos aqui. Provavelmente estaríamos criando mais uma linha de tratamento psicofísico segundo critérios gerais aplicados em modelos padronizados.

Em vez disso, ioga funciona como um caminho que, ao valorizar individualidades e estimular a auto-investigação, nos dá ferramentas para nós mesmos tirarmos os obstáculos que nos atrapalham quando queremos nos sentir plenamente bem, em qualquer aspecto: físico, mental ou emocional. Para funcionar, é preciso que tenhamos interesse pelo nosso próprio processo, que as ferramentas sejam usadas de forma integrada e, principalmente, que o paciente vire agente de sua própria transformação.

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Abalados por ressaca eleitoral buscam saídas para estresse https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2018/11/01/abalados-por-ressaca-eleitoral-buscam-saidas-para-estresse/ https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2018/11/01/abalados-por-ressaca-eleitoral-buscam-saidas-para-estresse/#respond Thu, 01 Nov 2018 14:05:56 +0000 https://namaste.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/ressaca-eleitoral-1-150x150.jpg https://namaste.blogfolha.uol.com.br/?p=406 “Hoje eu chorei várias vezes ao longo do dia. Sinto uma tristeza profunda, no meio do coração.” “Estou sentindo um ódio que nunca senti.” “Estou meio destruída, querendo abraço e tentando não perder forças.” “Eu me sinto angustiada, com altos e baixos, mas já estive pior.”

Esses desabafos são trechos de depoimentos dados –todos sob condição de anonimato– após o segundo turno de uma das eleições presidenciais mais polarizadas desde a redemocratização do país. Passada a votação, muitos brasileiros agora tentam lidar com uma espécie de “ressaca eleitoral”, que tem afetado seus hábitos de sono, apetite, capacidade de concentração e relações pessoais.

“Sinto ódio, só isso. Fisicamente, uma certa tremedeira. Não comi direito e não consegui me concentrar pra ler ou ver um filme para o trabalho. O tempo todo, vem uma angústia que impede que eu fique na mesma posição. Vontade de levantar, andar, não consigo ficar parado. Nunca senti isso”, contou um carioca de 42 anos que trabalha com cinema.

“Foi muito triste andar pelas ruas hoje. Durante todo o processo, foi muito angustiante. Eu não dormi várias noites. Convivi com pessoas que tinham sido torturadas na época da ditadura e que acordaram de madrugada com pesadelo. Sou uma pessoa bastante otimista e equilibrada, mas [a eleição] foi barra pesada. Eu fico triste, talvez, umas duas vezes por ano. Não sou uma pessoa triste, mas agora estou”, relatou um engenheiro agrônomo do Rio de Janeiro, de 45 anos.

Ressaca eleitoral
Engenheiro agrônomo usa ioga e contato com natureza para aliviar ressaca eleitoral (Foto: Arquivo pessoal)

O clima de pessimismo já era realidade para a maioria dos eleitores brasileiros desde antes do primeiro turno da votação, segundo pesquisa Datafolha. Questionados sobre como se sentiam quando pensavam no Brasil de hoje, as respostas “insegurança”, “tristeza”, “desânimo” e “raiva” foram apontadas, respectivamente, por 88%, 80%, 78% e 68% dos entrevistados.

Fenômeno semelhante aconteceu nas eleições americanas de 2016, também marcadas pela polarização nas ruas e nas redes sociais. Pesquisa da Associação Americana de Psicologia mostrou que a disputa presidencial foi fonte significativa de estresse para 52% dos americanos acima de 18 anos –índice estatisticamente equivalente entre eleitores democratas e republicanos. Dois meses após o pleito, em pesquisa complementar, 49% e 52% dos entrevistados disseram ainda sentir estresse por causa das eleições e do clima político no país, respectivamente.

Nem sempre os sintomas são reconhecidos de imediato, como foi o caso de uma publicitária de 40 anos, que mora no Rio de Janeiro. “Começou com esse clima de rivalidade, violência e impossibilidade de dialogar com o lado oposto. Parece que a gente não fala o mesmo idioma. De início, era um mal estar generalizado que eu não sabia verbalizar, parecia um cansaço muito profundo e uma incapacidade de organizar meu dia. Comecei a ter insônia e emagrecer. Até que uma médica que me conhece falou: você está com depressão. Está fosca, minguada, com desânimo”, relatou.

JEJUM PARA A MENTE

O professor de ioga Jorge Luís Knak, 47, ressalta a importância de cada indivíduo estar atento a si mesmo para reconhecer o momento de se distanciar da fonte do estresse, a fim de manter a saúde física e mental (leia a entrevista completa). “A questão social e política é uma das dimensões de todo ser humano, assim como o corpo físico. E assim como não é uma opção deixar o corpo sem o devido alimento, não é uma opção abandonar a primeira. Mas, algumas vezes, é saudável um cuidadoso jejum temporário para que o corpo se recupere de excessos”, disse o professor, que se dedica ao estudo da psicologia do ioga e faz atendimentos individualizados em Porto Alegre.

Sair de redes sociais e de grupos de mensagens, buscar contato com a natureza e começar atividades que trazem a sensação bem-estar e conexão consigo mesmo, como dança ou ioga, estão entre as alternativas procuradas por quem se sentiu abalado pelo estresse eleitoral.

“Neste momento pós-eleição, estou procurando fazer parte de outra forma de resistência, que é a resistência do autocuidado e da conexão comigo mesma”, disse uma jornalista mineira, de 37 anos, que desenvolveu uma crise de rinite de fundo emocional. “Hoje participei de uma roda de mulheres voltada para acolhimento e autocuidado. É o que vou procurar seguir a partir de agora, para buscar esse fortalecimento em uma amplitude mais íntima, mais cósmica.”

Entre as sugestões do professor Knak para acalmar o corpo e a mente neste momento está a prática de ioga, com posturas físicas aliadas à respiração consciente. A prática já tem ajudado o engenheiro agrônomo carioca: “Ioga ajuda; caminhar na mata me ajuda demais; trocar energia com a natureza é o que me renova”, disse.

Flamenco
Publicitária encontrou na dança flamenca saída para estresse eleitoral (Foto: Priscila Iglesias/Arquivo pessoal)

Outras atividades também estão servindo de escape: “Tenho procurado o equilíbrio por meio de atividade física, terapia e estar perto de quem me faz bem. Ajudou e sei que vai continuar ajudando”, contou um economista gaúcho, de 32 anos. A publicitária diagnosticada com depressão alia mudança de hábitos ao tratamento médico: “Estou tomando remédio e faço dança flamenca. Agora estou mais preocupada em ter uma rotina saudável e conseguir pensar em outra coisa que não seja crise política ou violência.”

Apesar do desconforto que a política trouxe para parte da população, Jorge Knak enxerga o momento como oportunidade de crescimento pessoal. “Sem as surpresas, sem a diversidade, sem as boas e sem as más notícias, não descobriríamos todas as riquezas da vida, pois nos moveríamos apenas pelos velhos caminhos protegidos e conhecidos. Que possamos confiar e aprender com todas as circunstâncias que se apresentam, sempre”, analisou.

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