namastê https://namaste.blogfolha.uol.com.br Vida de ioga no tapetinho e fora dele Wed, 19 Jun 2019 10:00:46 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Shivão tira dúvidas (e sarro) sobre ioga nas redes sociais https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2019/02/15/shivao-tira-duvidas-e-sarro-sobre-ioga-nas-redes-sociais/ https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2019/02/15/shivao-tira-duvidas-e-sarro-sobre-ioga-nas-redes-sociais/#respond Fri, 15 Feb 2019 15:41:53 +0000 https://namaste.blogfolha.uol.com.br/files/2019/02/hivo4-150x150.png https://namaste.blogfolha.uol.com.br/?p=549 Se um belo dia o grande Shiva, patrono da ioga, descesse das montanhas sagradas onde vive, nos Himalaias, para tirar suas dúvidas pelo WhatsApp, o que você perguntaria?

Por mais inusitado que pareça, Shivão tem sido visto nas redes sociais respondendo questões de praticantes de ioga que tentam levar uma vida iluminada, mas se veem todos os dias diante dos desafios impostos pela condição humana.

“Tem problema matar um mosquito quando estou praticando ioga?”; “Depois de três dias meditando, me estressei no trânsito e discuti no grupo da família, o que adiantou?”; “Ioga tira zica?”; “Qual o segredo da vida?”

Quem manda as perguntas é a Nic, e as conversas são publicadas no @Instadoshivao. Nic é Nicole Rodrigues, 45, professora de ioga com estúdio na Vila Madalena, em São Paulo. “O Shivão é o meu alter ego. Nasceu das minhas conversas comigo mesma, das minhas questões sobre ioga, a prática, a vida, o ser e estar no mundo”, disse ao blog.

Diferentemente do que se poderia esperar de uma deidade, Shivão não é piegas e responde com sarcasmo e humor. É descontraído, sem ser deselegante, ofensivo ou blasé. A ideia do personagem é trazer as discussões espirituais de um plano quase inatingível para a vida real dos reles mortais praticantes de ioga.

“Somos seres humanos que tentam meditar, mas que no dia a dia têm que lidar com as questões básicas da vida, como pagar aluguel, levar filho na escola, trabalhar, ter DR com o namorado ou namorada, seres humanos que sentem raiva, inveja, ciúmes… Muita coisa. O Shivão quer mostrar que está tudo bem, que ao praticar ioga ou ser um professor, você continua a ser humano, uma pessoa que tem que lidar com todas as questões da vida”, conta Nic.

Nicole Rodrigues
A professora de ioga Nicole Rodrigues, criadora do @Instadoshivao, em seu estúdio de ioga na Vila Madalena, São Paulo (Foto: Ana Rosa Passos)

Apesar do humor, Shivão tem seus momentos de reflexões filosóficas, baseadas não só nos textos de ioga, mas também do budismo e do cristianismo, e com frequentes referências a escritores e cantores, como Guimarães Rosa, Fernando Pessoa, Dorival Caymmi e Chet Baker –sempre trazendo para as questões da espiritualidade.

O personagem também gosta tirar sarro com os clichês tão frequentes no meio da ioga. “A espiritualidade está banalizada e as pessoas estão muito necessitadas de gurus. Às vezes, a gente cria a máscara da espiritualidade, mas no fundo continua a ser apenas a mesma pessoa de antes. O discurso continua longe das atitudes. Mas o Shivão, sendo muito bacana, entende isso, que somos humanos.”

O blog Namastê entrevistou Shivão com exclusividade, em uma pausa de seu estado de samadhi, mergulhado na consciência expandida. Leia a seguir trechos dessa conversa.

Blog Namastê: Shivão, às vezes você fala de um jeito meio debochado sobre ioga. Esses temas de espiritualidade não precisam ser levados a sério?
Shivão: Eu nunca faço deboche com ioga. Eu faço deboche só da Nic.

Existem muitos clichês repetidos entre praticantes de ioga. Frases de efeito ajudam ou atrapalham a entender essa filosofia de vida?
Uma filosofia de vida não é pra ser entendida, mas é pra ser vivenciada como cada um puder de acordo com sua história de vida e vocês que se virem por aí pra vivenciar isso, porque eu sei que a barra aí é pesada.

Já vi você falar sobre política, questões ambientais… Por aqui esses temas geram muita discórdia. Dá pra misturar espiritualidade e política numa boa?
Ficórsi [of course].

Muita gente acha que só uma prática física intensa tem efeito, mas você sempre fala de ioga fora do tapetinho… As pessoas confundem ioga com ginástica?
Ô.

Qual é a dúvida que você mais escuta dos seus seguidores?
Uma das maiores dúvidas é se sou homem ou mulher. O Shiva? A Shiva? Mas Deus não tem sexo. E nem eu.

Qual principal recomendação você daria pra quem quer levar uma vida de ioga?
Não existe vida de ioga. Existe vida.

Gratiluz!
Se você falar gratiluz novamente, tá tudo acabado entre nós.

 

Shivão
Foto: Reprodução/Instagram/@Instadoshivao

 

 

Shivão
Foto: Reprodução/Instagram/@Instadoshivao

 

Shivão
Foto: Reprodução/Instagram/@Instadoshivao

 

Shivão
Foto: Reprodução/Instagram/@Instadoshivao
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Recolhimento e desapego combatem ressaca eleitoral, diz terapeuta https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2018/11/01/recolhimento-e-desapego-combatem-ressaca-eleitoral/ https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2018/11/01/recolhimento-e-desapego-combatem-ressaca-eleitoral/#respond Thu, 01 Nov 2018 14:16:29 +0000 https://namaste.blogfolha.uol.com.br/files/2018/10/jorge-knak-2-150x150.jpg https://namaste.blogfolha.uol.com.br/?p=422 Enquanto parte da sociedade brasileira procura formas de lidar com sentimentos como tristeza, medo e desânimo relacionados à recente eleição presidencial, como mostrou o blog namastê, o terapeuta e pesquisador da psicologia do ioga Jorge Luís Knak, 46, avalia que os sintomas do estresse eleitoral atingem os dois lados da disputa.

“A ressaca eleitoral está presente para todos os que têm consciência do valor da vida e para todos que têm consciência da própria ignorância. Também está presente para quem tem raiva do ‘inimigo’ e para quem tem medo”, disse em entrevista ao blog. “Tanto a vitória quanto a derrota geram ressaca, pois ambas são temporárias, ambas frustram mais cedo ou mais tarde.”

Professor de ioga há 24 anos, discípulo do mestre indiano T.K.V. Desikachar (1938-2016), funcionário público e pai de três filhos, Knak também realizada atendimentos individualizados em Porto Alegre e percebeu que o estresse causado pela acirrada disputa eleitoral virou assunto recorrente entre seus pacientes.

Para o professor e terapeuta, habilidades mentais como leveza, desapego, concentração e clareza são essenciais para quem deseja sair do ciclo de sofrimento causado, entre outros fatores, pela incapacidade de compreendermos que “cada mente cria sua própria filosofia”, conforme ditado indiano.

Knak também afirma que a busca da espiritualidade e o caminho de ioga não são incompatíveis com o engajamento social –“não há como praticar ioga com alienação”–, mas considera que, às vezes, um “cuidadoso jejum temporário” do embate político pode ser necessário para preservar o corpo e a mente saudáveis.

Segundo o professor, contentarmo-nos com o que está a nosso alcance também deve ser parte do processo. “Não é negado o fato de que devemos agir em busca da conquista daquilo que consideramos ser mais benéfico a todos, mas o resultado está fora de nosso controle.”

Leia a seguir a íntegra da entrevista.

Namastê: Acabamos de passar por uma das eleições mais polarizadas no país desde a redemocratização e temos visto uma forte divisão da sociedade, com muitas pessoas expressando medo, tristeza e desânimo. Como podemos entender esse momento do ponto de vista do ioga?

Jorge Luís Knak: Fico feliz de tratar desse tema, pois é justamente no confronto de ideias que se dá o caminho de ioga. O que quero dizer por confronto? O embate que coloca de um lado minhas expectativas, meus ideais, meu desejos, ou seja, meu mundo interno, e de outro lado a realidade externa. É fácil entender que esse embate não tem fim, pois jamais a minha realidade individual estará plenamente alinhada com a realidade plural. Na Índia é dito que “cada mente cria sua própria filosofia”, pois essa é a trajetória humana, encontrar-se através da diferenciação. Porém, essa trajetória traz seus desafios.

Que tipo de desafios?

O ioga diz que nosso ego tem, entre suas vulnerabilidades, o orgulho e a necessidade de se afirmar no ambiente que o cerca. Para nutrir essas vulnerabilidades, faz negociações arriscadas. A segunda [necessidade de afirmação] pode gerar uma certa proteção quando o ambiente está saudável, mas irá gerar grandes danos quando o ambiente está doente. Como somos humanos, não ficaremos imunes a tais armadilhas. O ser humano nasce da ignorância, da confusão a respeito de sua verdadeira identidade, e o medo e o sofrimento são as inevitáveis consequências dessa incerteza. Tateamos no escuro em busca de algo em que possamos nos agarrar. Mas aceitar nossa ignorância e nosso medo é a primeira etapa da cura, assumir que estamos em busca e que todos nós estamos na mesma condição interna é essencial para o sentimento de irmandade.

Ou seja, é preciso entender que, por mais que eu discorde do outro, ele é movido por uma lógica interna que pode estar além da minha compreensão…

No ioga, o sentimento de irmandade é tanto a base de uma sociedade madura quanto a base para o autoconhecimento. O desejo da experiência de irmandade é natural em todos nós e é intenso, eis a razão de nossa angústia e violência quando o mesmo não se estabelece. Sabemos que a intensidade da reação equivale à intensidade do desejo. Mas, se não somos educados para essa percepção, somos enganados pela emoção mais aparente. E, como nosso sistema educacional é um fracasso nessa área, padecemos desse mal. Desejamos comunhão e não temos nem sequer consciência e clareza disso. Essa comunhão é um dos principais temas tratados em atendimentos terapêuticos na psicologia do ioga. A maneira como essa comunhão se apresenta em forma de ações está conectada ao conceito de “dharma”, que pode ser entendido como “ação saudável para aquele que a realiza e para o ambiente que a recebe”. É a dimensão social do sistema de ioga.

Os textos clássicos de ioga nos lembram que nem tudo está sob nosso controle. Como compreender isso pode ajudar a lidar com a “ressaca eleitoral”?

A ressaca eleitoral está presente para todos os que têm consciência do valor da vida e para todos que têm consciência da própria ignorância. A ressaca eleitoral também está presente para quem tem raiva do “inimigo” e para quem tem medo. Há muitas razões possíveis. Somos ignorantes em busca de clareza, peregrinamos pela riqueza da vida em busca de nós mesmos. Mas lembremos que tanto a vitória quanto a derrota geram ressaca, pois ambas são temporárias, ambas frustram mais cedo ou mais tarde. Nada se sustenta, a vida nos alerta para isso sempre. E, ainda assim, uma mente saudável deseja a felicidade de todos, se preocupa e se ocupa com esse propósito. Uma mente saudável tenta formular meios para que isso se concretize em algum grau e, ao formular meios, ela recorre às suas crenças, às suas marcas, à sua história… e, por isso, se diferencia. É possível que, saudavelmente, por enxergarmos diferentes meios, discordemos. Assim como é possível que discordemos por um ou mais dos envolvidos não estarem com a mente focada no “dharma”. Quanto mais alcançarmos sabedoria e saúde, mais olharemos para além de nós mesmos, quanto a isso não há dúvida. E, quanto ao imponderável, dependemos dele para crescer, dependemos dele para enxergar o que nossos olhos não buscariam. Sem as surpresas, sem a diversidade, sem as boas e sem as más notícias, não descobriríamos todas as riquezas da vida, pois nos moveríamos apenas pelos velhos caminhos protegidos e conhecidos. Que possamos confiar e aprender com todas as circunstâncias que se apresentam, sempre.

Para muitas pessoas, a dificuldade de lidar com essas discordâncias se manifesta na forma de estresse, como alterações no sono ou no apetite, dificuldade de concentração e irritabilidade. Que recomendações você daria a elas?

Esses sintomas mais superficiais já podem começar a ser tratados com exercícios de conexão corpo-respiração. Exercícios muito acessíveis onde vinculamos movimentos físicos a respirações cada vez mais macias e sensíveis já oferecem uma redução inicial relatada como bastante significativa pelos praticantes, desde que feitos diariamente e com a ajuda de um profissional que saiba adaptar e respeitar as características pessoais. Mas é minha responsabilidade alertar que um real caminho de ioga trata da mente humana, individualmente, e não apenas do corpo e da respiração.

Ouvi depoimentos de pessoas que, para preservar a saúde, estão se afastando do debate político, lendo menos notícias, saindo das redes sociais ou procurando atividades novas. Mas outras, mesmo em situação de estresse, continuam participando dos embates por considerarem um dever social. Como saber se é hora de recolhimento para cuidar de si?

A questão social e política é uma das dimensões de todo ser humano, assim como o corpo físico. E assim como não é uma opção deixar o corpo sem o devido alimento, não é uma opção abandonar a primeira. Mas, algumas vezes, é saudável um cuidadoso jejum temporário para que o corpo se recupere de excessos.

Existe um estereótipo de que o praticante de ioga deve se manter indiferente ao debate político para preservar uma mente tranquila. Por outro lado, a atuação pelo bem-estar da sociedade é um dos pilares do karma ioga. Como conciliar esses entendimentos?

Essa indiferença não é parte da verdadeira tradição da Índia. Surge da interpretação apressada e descuidada das escrituras. O ioga trata de forma magnífica a união entre isolamento e relacionamento. Ioga é, se formos rigorosos, isolamento, pois trata do reconhecimento de mim mesmo enquanto sujeito último. Estabelecer-se nesse reconhecimento é ioga. Porém, a vida que nos é dada é a peregrinação desse sujeito. É através dela que descubro meus próprios obstáculos e acabo por reconhecer que meus enganos viam lá fora as fontes de sofrimento, enquanto, na realidade, era a desconexão comigo mesmo que gerava tal experiência. E, em termos de corpo e mente, somos todos feitos da mesma matéria, temos a mesma estrutura básica, sofremos e nos alegramos pelas mesmas razões. O mundo é nosso espelho. O mundo é um benevolente e compassivo professor. Não há como descobrir a si mesmo sem peregrinar no mundo com os sentidos e com a mente curiosa e desperta. Nosso corpo e mente não podem ser separados do mundo que os cerca. Somos filhos da natureza e não de nossos pais, se olharmos mais profundamente. Nossos pais merecem nossa gratidão e respeito por tudo o que fizeram, por terem se sacrificado para nos manter vivos e acolhidos. À natureza devemos tudo, ela é nosso pai e nossa mãe no sentido mais amplo da palavra. Não há como se afastar da natureza um segundo sequer, mantemos uma ligação umbilical contínua, de corpo e mente. A “Bhagavad Gita”, um dos grandes textos de ioga, diz que nossa ação deve ser sempre como uma oferenda.

Luan e Ísis
Luan e Ísis, filhos de Jorge Knak, caminham de mãos dadas; professor afirma que isolamento e relacionamento andam juntos no ioga (Foto: Arquivo pessoal)

É o que também chamamos de ioga fora do tapetinho…

Karma é ação. Karma ioga é a ação em ioga. Karma ioga é um dos preciosos ensinamentos da “Gita” e nos remete a essa ideia de que agimos para nutrir aquela que nos dá a vida. É um ciclo interdependente. Isso é oferenda. Assim deveria se formar a sociedade, temos muito o que caminhar. O maior método de amadurecimento da mente e desenvolvimento de qualidade mental é karma ioga, sim. Exercícios físicos sensíveis são ótimos meios de pacificação mental, mas precisam, definitivamente, do forte alicerce de karma ioga. O último é o que chamamos de prática cotidiana ou informal, o primeiro (ásanas ou exercícios físicos e respiratórios) é o que chamamos de prática formal. Um depende do outro, um alimenta o outro. Portanto, não há como praticar ioga com alienação. Alienação é uma ausência de reconhecimento da comunhão a que me refiro. Alienação é a negação do que chamamos de “dharma”, conforme expliquei.

Neste momento pós-eleição, a preocupação quanto ao futuro do país gera certa ansiedade em muitas pessoas. Trazer a atenção para o momento presente ajuda a lidar com isso?

Não é negado o fato de que devemos agir em busca da conquista daquilo que consideramos ser mais benéfico a todos, mas o resultado está fora de nosso controle. O mundo nos traz eventos que vêm e vão, tanto eventos agradáveis quanto desagradáveis, mas nossas emoções se fixam a eles e acabam por causar, assim, a experiência de frustração e medo constante. Mas, para sairmos desse ciclo, precisamos desenvolver gradualmente qualidades mentais como leveza, desapego, concentração e clareza. Contentarmo-nos com o que está ao nosso alcance é uma sabedoria importante aqui. A mente eterniza o sofrimento que, por natureza, é temporário. Quando olhamos para a nossa mente neste exato momento, vemos o quanto ela facilmente é tomada pelas reais causas da eternização do sofrimento, a raiva, o desejo e a confusão. Estamos longe da desejada clareza. Temos muito trabalho a fazer com as nossas emoções neste exato momento. Assim é comigo, assim é com meus filhos, assim é com todos nós. Quanto mais me descuido disso, mais sou tomado pelas memórias de fatos passados e por inseguranças quanto ao futuro. Nosso maior inimigo é a mente, nosso maior amigo é a mente. Somos nós que escolhemos em qual das duas categorias ela passará mais tempo. Mas essa escolha não é teórica, há um caminho a ser trilhado, há passos específicos nos caminhos tradicionais de autoconhecimento. No caminho da mente posso confiar, já a trajetória do mundo externo está além de meu controle. Na “Bhagavad Gita”, é dito que o tempo parou para que o conhecimento fosse transmitido. Assim é. O conhecimento sobre mim mesmo está além dos eventos, não pertence ao tempo, pois eu estou aqui e não lá. O que precisa ser reconhecido, o que alavanca e o que eterniza a experiência de sofrimento está aqui no momento presente. Eventos vêm e vão, não se sustentam. Mas eu só posso me conhecer agora. E, se eu me conheço, terei reais condições de oferecer o que tenho de melhor aos que me cercam em todos os tempos.

E como conseguir focar no presente?

Começar acalmando o corpo e a respiração através dos chamados ásanas (exercícios físicos e respiratórios) é um ótimo remédio. Porém, lembremo-nos de que não há necessidade de habilidades físicas especiais para isso, o segredo é o desenvolvimento de simplicidade e sensibilidade. O corpo é nossa maior âncora para o presente, pois é o que há de mais estável em nossa experiência de vida. É ele o ambiente onde mora nossa mente. Se o corpo está sendo cuidado com sensibilidade e está sendo nutrido de forma saudável ele se torna um ambiente agradável, um bom lar. Ele é o lar que nos acompanhará por toda essa vida, só nos abandonará na morte. Não há parceiro mais fiel. Portanto, nada mais justo que retribuir a ele essa fidelidade tratando-o com respeito e gratidão. Precisamos reconhecer o que nutre nosso corpo, não só no sentido de alimentação. Seremos recompensados por isso. Além disso, há outras formas de desenvolver a concentração para aliviar o funcionamento dessas marcas mentais residuais. Fazer, por exemplo, uma longa e atenta sequência de orações escolhidas com sabedoria acalma padrões automáticos de pensamentos descontrolados que são pouco percebidos por nós e que influenciam nossas relações. O segredo é a regularidade dessa prática e a sustentação por longo prazo, pois as velhas marcas mentais automáticas enfraquecem, de fato, quando as novas marcas escolhidas se tornam mais fortes que elas.

E para quem não tem religião, qual o papel das orações?

Nossa cultura relaciona a oração com religiosidade, mas podemos entendê-la de uma forma mais abrangente. A oração no ioga está dentro do conceito de meditação. E meditação não segue, necessariamente, um enfoque religioso. Por exemplo, eu mesmo escrevo orações para pacientes usarem em suas meditações. Essas orações são, na maioria das vezes, palavras que remetem a uma mudança de estado mental. A oração é uma forma de invocar aquilo que valorizamos e que temos dificuldade de internalizar ou de expressar. Alguém que sofre com a incapacidade de manifestar seu amor aos filhos, por exemplo, pode orar com palavras que remetam a essa experiência emocional. A palavra é relacionamento. A palavra nasce da mente, mas é, também, capaz de conduzir a mente quando usada de maneira consciente como prática meditativa regular.

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Professor de ioga comenta riscos e benefícios das aulas online https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2018/08/26/professor-de-ioga-comenta-riscos-e-beneficios-das-aulas-online/ https://namaste.blogfolha.uol.com.br/2018/08/26/professor-de-ioga-comenta-riscos-e-beneficios-das-aulas-online/#respond Sun, 26 Aug 2018 17:00:46 +0000 https://namaste.blogfolha.uol.com.br/files/2018/08/Leandro-Castello-Branco-2-150x150.jpg https://namaste.blogfolha.uol.com.br/?p=300 Antigamente, se você quisesse aprender ioga na Índia, não só precisaria encontrar um professor que aceitasse lhe ensinar, como possivelmente teria que morar com o mestre por um tempo para que ele acompanhasse seu desenvolvimento no dia a dia.

Desde aquela época, muita coisa mudou. Talvez o que tenhamos hoje mais próximo do modelo tradicional seja o “ashram”, uma espécie de comunidade onde alunos e professores convivem por temporadas. Mas as aulas regulares, em estúdio ou particulares, são o formato de ensino que melhor se adaptou ao nosso estilo de vida ocidental de hoje.

Nos últimos anos, uma nova forma de praticar começou a ganhar espaço na rotina dos aprendizes de iogues: as aulas por vídeos online. Antes de optar por este formato, vale a pena checar se sua cidade realmente não tem nenhuma opção que se adeque a você, como aulas em projetos sociais com valores reduzidos ou até por contribuição variável, de acordo com sua renda.

No post anterior, fiz várias ressalvas sobre os riscos e limitações das aulas online. Mas como esta é a única opção para algumas pessoas, procurei o professor Leandro Castello Branco, coordenador do Saraswati Studio, no Rio de Janeiro, para nos contar sobre os cuidados que o aluno precisa ter quando fizer uma aula por vídeo.

Leandro pratica ioga há 17 anos e dá aulas presenciais e online. Morou seis meses na Índia em 2006 e, desde então, tem viajado constantemente para aprofundar os estudos de ioga, vedanta e meditação, já tendo passado por mestres como Swami Dayananda Saraswati, Gloria Arieira, Dalai Lama e Thich Nhat Hanh.

Para aulas online, Leandro recomenda as que incluem posturas fáceis, como a do vídeo abaixo, e ressalta a importância da liberação médica e da auto-observação, para o praticante não permanecer em uma postura quando sentir dor nas articulações ou na coluna. Veja abaixo os principais trechos da nossa conversa.

Blog Namastê: Uma vez você disse que antes resistia em dar aulas de ioga pela internet, mas que depois mudou seu ponto de vista. O que fez você mudar de ideia?
Leandro Castello Branco: Trabalho há muitos anos com aulas regulares e turmas de formação de professores de ioga. Nesse tempo, muitas pessoas de outros Estados se interessaram pelo curso de formação mas, embora elas conseguissem vir para os fins de semana de aula, em suas cidades elas não podiam manter sua prática pessoal, por falta de professores. Isso impossibilitava o processo. Conforme o tempo foi passando, fui me dando conta de que, fora dos grandes centros, há carência por aulas de ioga e meditação. E –apesar de que não acho que seja possível formar um professor à distância– falando com relação à prática pessoal, apenas, me vi diante da seguinte questão: se a pessoa não tem um professor próximo a ela, é melhor ela não praticar ou tentar através da internet fazer algo básico? Acho que o mundo está precisando de mais iogues, então acho que, com os devidos cuidados, é possível praticar pela internet.

Quais são os riscos de praticar ioga sem um professor por perto?
Os mesmos de uma aula presencial, só que potencializados. Por isso, a prática online deveria ser, a meu ver, sempre tranquila e com opções que abarquem as dificuldades mais comuns. O risco maior é desenvolver ou piorar alguma lesão pré-existente, principalmente. Poderiam existir outros riscos ligados à prática excessiva de pranayama (exercícios respiratórios), por isso recomendo os básicos somente e com pouca duração. Considero que num nível básico da prática, sem posturas complicadas ou técnicas avançadas, é possível praticar online com segurança.

E quais recomendações você dá para quem faz aulas pela internet?
Instruções que seriam passadas em qualquer aula presencial valem aqui, reforçadas: não insistir em dores articulares ou na coluna, observar seu próprio corpo durante e após a prática e, acima de tudo, estar liberado por um médico para atividades físicas. Falo constantemente, no vídeo e fora (em mensagens ou comentários via Facebook) para lembrar da respiração consciente e profunda e como ela é a medida do ásana [postura]: se estiver errática ou sumir, a postura passou do ponto. Encorajo também o desenvolvimento de autopercepção: os alunos se observarem durante prática, logo após, no dia seguinte e no longo prazo. Friso para que sigam as instruções de alinhamento ao pé da letra e ofereço opções para as dificuldades mais comuns. Acima de tudo, como já falei, recomendo uma avaliação médica completa antes de começar.

Se o aluno também fosse filmado para que o professor visse sua prática, isso ajudaria a reduzir os riscos?
Ajudaria, mas não é suficiente. Primeiro, porque não é possível avaliar as postura todas de uma aula somente de um determinado plano –seria preciso que a câmera mudasse de lugar conforme o ásana, o que inviabiliza o processo. Depois, talvez isso fosse até possível com um aluno ou dois, mas em larga escala, não. O que eu particularmente faço é ter vídeos explicando as posturas, quais os erros mais comuns e como evitá-los. Também encorajo que os alunos tirem fotos e fiquem sempre em contato comigo para informar quaisquer dores e desconfortos, sejam físicos ou não.

Essas novas formas de praticar ioga surgem porque vivemos num mundo em constante transformação. Na época em que a ioga surgiu, se existisse a facilidade tecnológica que temos hoje, você acha que essa possibilidade de aula remota seria usada?
Não acho, pois o ensino online tem sérias limitações. Em termos de prática física, não é possível se aprofundar nas posturas com segurança, por exemplo. Uma coisa é você ensinar ao sujeito “pashcimottanasana” (em linhas gerais, sentar com as pernas esticadas e tentar alcançar os pés), outra coisa bem diferente é tentar colocar o sujeito em “adho mukha vrksasana” (a famosa parada de mão). Precisamos lembrar também que, nessa época, o foco não eram as posturas, mas os mantras, os rituais, as meditações e a manutenção do “dharma” [princípios] na vida do aluno. Por isso, acredito que, mesmo disponível, um professor tradicional da época não usaria. Para passar essas coisas, eu também não uso. Mantras, por exemplo, que é uma coisa que as pessoas querem sempre aprender, eu não passo online de jeito nenhum.

E se falarmos dos aspectos teórico e filosófico, o aprendizado pode ficar limitado pelo fato de a relação professor-aluno não ser direta e individualizada?
É muito interessante que, apesar da distância, em muitos casos tenho mais contato com meus alunos online do que com aqueles que vêm duas a três vezes na semana no meu estúdio praticar. Pela internet, recebo vídeos, áudios, e-mails, formamos os grupos dos alunos… Enfim, é uma interação muito intensa se formos parar pra pensar. Considero que não fica nada a dever, realmente, a uma turma “normal” nesse quesito. Poderia se argumentar que o “olho no olho” ou a relação próxima de professor e aluno é prezada pela tradição. No entanto, onde hoje em dia vivenciamos isso? É claro que a preferência será sempre para o contato próximo, estar ali, sentar aos pés do mestre –inclusive, eu sempre falo isso. Porém, como segunda opção, o online pode não decepcionar quando bem conduzido.

Então, apesar de todas as limitações, você acredita que as aulas online podem sim ser importantes…
A meu ver, o estudo e a prática online de ioga vêm democratizar o conhecimento numa época em que precisamos cada vez mais estar saudáveis, física, mental e emocionalmente. É uma ferramenta poderosa e, como tal, deve ser usada com cuidado. Através dos depoimentos dos alunos, posso ver o poder que mesmo uma prática suave para iniciantes pode ter e a diferença que isso faz na vida das pessoas. Quando vamos ao estudo dos textos, aí mesmo é que dá pra apreciar o poder dessa tradição. As pessoas relatam como mudaram sua maneira de agir, sua forma de ver o mundo, ganhando capacidade para lidar com questões, problemas emocionais e as pessoas em volta. É muito animador!

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